Em tempos em que as mudanças climáticas têm atormentado os produtores rurais e toda a cadeia do agronegócio, pesquisadores buscam saídas para evitar prejuízos bilionários. Um estudo da Fundação Mato Grosso sobre uma técnica sustentável e econômica para a conservação do solo nas lavouras pode ser uma luz em meio a um cenário caótico de perdas na produção que, consequentemente, abalam a economia e abastecimento do país.
Uma avaliação feita pela Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) aponta que, durante o período de plantio da soja na safra 2023/2024, a umidade do solo era insuficiente na maioria dos estados, incluindo Mato Grosso, enquanto no sul do país chovia em excesso. No estado, alguns produtores semearam a soja mesmo com pouca umidade, devido ao receio de afetar o plantio da segunda safra de milho, mas o grão acabou não vingando.
Um levantamento feito pela Aprosoja-MT revelou uma perda estimada em 21% na última safra, em Mato Grosso. Com essa redução, a queda esperada do Valor Bruto da Produção (VBP) da soja e do milho é de R$ R$ 50,74 bilhões. Segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), esse resultado é atribuído, principalmente, à redução expressiva no preço das culturas, juntamente com uma menor área semeada devido às condições climáticas adversas que prejudicaram o desenvolvimento da safra.
Além de perder uma parte considerável da plantação, alguns produtores tiveram gastos não previstos com sementes, defensivos, combustíveis e mão de obra para fazer mais de um replantio e tentar diminuir os prejuízos.
Quando a chuva chegou, parecia um alívio, mas o volume foi maior do que o esperado em algumas regiões. Com o excesso de umidade, doenças como a ferrugem asiática, anomalias e pragas, como a mosca branca, desafiaram o campo novamente e derrubaram a produtividade.
Devido a esse cenário, que tem sido cada vez mais frequente, a pesquisa sobre cobertura de solo, iniciada em 2008 em uma propriedade rural de Itiquira (MT) e ainda em andamento, aponta a viabilidade da criação de uma camada protetora no solo, por meio de palhada, para reduzir o impacto em períodos com chuvas intensas e minimizar a evaporação da água em épocas de seca. Além disso, a técnica ajuda na preservação do meio ambiente.
Entre os principais benefícios apontados com a cobertura de solo estão:
- Conservação da área
- Proteção contra erosão causada por chuvas intensas
- Conservação da água e nutrientes em épocas de seca
- Aporte de carbono e menor emissão de gases de efeito estufa
O ensaio feito pela Fundação MT é um dos mais longos. No entanto, o sistema de plantio na palha começou a ser adotado por uma pequena parte de produtores ainda nos anos 90, após a criação da Confederação de Associações Americanas para a Produção da Agricultura Sustentável (CAAPAS) e da Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha (FEBRAPDP).
Apesar de algumas regiões terem aplicado o sistema após receberem apoio das instituições de pesquisa, a falta de divulgação da técnica pode limitar esse conhecimento no campo, segundo especialistas.
Aporte de palhada e a cobertura do solo nos diferentes sistemas de cultivo do experimento — Foto: Fundação MT
Ao g1, o head de pesquisa e operações da Fundação, Bruno de Conti, explicou que o estudo avaliou diferentes sistemas de produção em plantio direto, incluindo monocultura, sucessão e rotação de culturas (veja acima). Em todos eles, a cobertura com palhada foi positiva, com um destaque maior para a rotação das culturas.
"Comparamos sete tipos de produção, como soja-milho, soja-pousio, milho-braquiária, que geraram um aporte de palhada diferente. Essa palhada cobre e protege o solo, se conectando muito com a sustentabilidade que há muito tempo é importante para o agronegócio", explicou.
🔺Para se ter uma ideia, nesses 15 anos de estudo, a soja cultivada no sistema convencional teve uma média de produtividade acumulada de 52 sacas por hectare. Enquanto isso, a produção por meio da cobertura de solo, alinhada à rotação de culturas, resultou em uma média de 66 sacas por hectare no mesmo período, resultando em um lucro 26,9% maior para o bolso do produtor.
Em anos com distribuição irregular de chuvas, como na safra 2014/2015, impactada pelo fenômeno La Niña – aumento no volume de chuvas – a rotação e sucessão de culturas, alinhadas com a cobertura de palhada, mostraram-se mais resilientes, pois não sofreram com a erosão do solo e umidade excessiva.
Já na safra 2023/2024, o desafio foi diferente. A chegada do efeito El Niño potencializou as altas temperatura e diminuiu a quantidade de chuva em boa parte do estado, afetando a produção de grãos, principalmente da soja e do milho. Apesar disso, mais uma vez, o cultivo sobre palha se destacou, pois manteve a umidade do solo, reduzindo a perda de grãos.
"Quanto mais desafiador do ponto de vista climático, maior será a diferença entre sistemas com e sem aporte de palhada. Em anos que chove a quantidade certa e na hora certa, as diferenças são menos evidentes. A palhada aumenta a resiliência dos sistemas agrícolas e essa resiliência mostra seu valor em produtividade em anos desafiadores", ressaltou.
🥵🥶A meteorologista do Climatempo, Josélia Pegorim, explicou que tanto o campo, quanto a cidade, precisam estar preparados para os desafios climáticos, pois as mudanças vieram para ficar.
"Fenômenos como El Niño e La Niña estão mais frequentes. Os dois alteram os padrões de temperatura, de precipitação de ventos. O Brasil é fortemente impactado pelos dois fenômenos. Então, num dia chove forte em um lugar e no outro, não chove nada. Essa irregularidade pode ser um problema no desenvolvimento da produção agrícola", explicou.
Segundo Josélia, o que se espera para a primavera e o verão de 2024, é a influência de um novo episódio do fenômeno La Niña.
Menor custo, maior qualidade e produtividade
Cultivos feitos durante o experimento — Foto: Fundação MT
Conforme os estudos feitos pela Fundação MT e também pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em outras regiões do país, a adoção da formação de palhada nas lavouras é mais econômica ao produtor, além de elevar a qualidade da plantação e torná-la mais produtiva.
- Menor custo: O plantio convencional é mais barato inicialmente, mas as manutenções periódicas tornam-se caras ao longo do tempo. Já no plantio direto com a formação da palhada, os custos diminuem e a lucratividade aumenta a longo prazo.
- Maior qualidade: Em safras com pouca água, a cobertura do solo retém líquido e preserva a qualidade do produto, pois as plantas, ao explorarem mais água, absorvem mais nutrientes.
- Maior produtividade: No quesito produtividade, há um aumento estimado em 30% de rentabilidade da lavoura que atua nesse sistema, conforme análise da Embrapa.
O agrônomo e pesquisador da Embrapa, Silvio Spera, que passou os últimos 35 anos explorando manejo de solos tropicais, explicou que a reestruturação de um solo degradado é lenta, podendo demorar de 5 a 10 anos, dependendo da intensidade do manejo e da quantidade de matéria orgânica aportada, mas, segundo o especialista, os resultados desse esforço são promissores.
Spera ressaltou que a adoção do sistema pode impactar positivamente o futuro do agronegócio, o tornando, além da potência econômica que é para o país, um grande aliado da sustentabilidade no mundo.
"Hoje a agricultura tem sido cobrada quanto à situação da sustentabilidade e nós temos tecnologias para mantê-la sustentável. Temos muita capacidade e tecnologia para isso, só precisamos explorar e divulgar mais essas técnicas", ressaltou.
A pesquisadora do Instituto Mato-grossense do Agronegócio (Iagro/Aprosoja), Daniela Basso Facco, ressaltou que a presença de palhada também protege as plantas de doenças que estão no solo, pois evita o respingo de água da chuva nas folhas das plantas, auxilia no controle de plantas invasoras e promove o acúmulo de carbono no solo por meio da matéria orgânica.
"Com a presença de palhada nos solos agricultáveis, é possível produzir de forma mais sustentável, reduzindo a quantidade de químicos para controle de pragas, doenças e plantas daninhas e de fertilizantes químicos, uma vez que a palhada tem grande importância na ciclagem de nutrientes do solo, tornando o aproveitamento de nutrientes mais eficiente", ressaltou.
De geração em geração
Foto tirada em 2017. Da esquerda para direita: Carlos Pedro Krampe (pai), Ary Krampe (avô), Paulo Gilioli (tio), Carlos Eduardo Krampe (produtor) — Foto: Arquivo pessoal
Um exemplo de sucesso com o uso da técnica é a família do produtor mato-grossense Calos Eduardo Krampe, que possui uma propriedade rural em Campo Novo do Parecis, a 397 km de Cuiabá. O avô dele, Ary Krampe, começou a implementar o método logo após conhecê-la, na década de 90. À época, o pai de Calos também aprendeu e passou ao filho, anos depois.
Segundo Carlos, o avô morreu em 2022, mas deixou o legado de uma agricultura produtiva e sustentável. Atualmente, todo o cultivo na propriedade da família é em cima de palha, com diferentes culturas.
"O cultivo com essa técnica aumentou o teor de matéria orgânica na nossa produção e elevou a capacidade em reter nutrientes no solo. Logo, temos uma quantidade maior desses nutrientes disponíveis e, consequentemente, maior produtividade. Em períodos de desafios climáticos, as áreas com solos mais estruturados tendem a produzir mais", contou Carlos Eduardo.
Para os agricultores, a adoção dessas práticas podem resultar em solos mais férteis e produtivos, criando maior resiliência às condições climáticas adversas e uma redução na dependência de insumos químicos.
Juntos para um agro mais sustentável
Diversas instituições têm trabalhado em projetos para promover o agro de forma sustentável, com o objetivo de garantir o alimento e a saúde da população. Um levantamento da Embrapa, a partir do Cadastro Ambiental Rural (CAR), mostra que o Brasil tem 66% de vegetação nativa protegida, sendo 26% estão somente em áreas de cultivo de soja. Somente os produtores cadastrados na base de dados da Aprosoja-MT, preservaram mais de 30 mil km de área de produção sustentável.
Lançado em 2021 pela Aprosoja, o projeto 'Soja Legal' tem como meta uma agricultura mais sustentável, além de combater a desinformação sobre o que é o agronegócio para a sociedade. O programa possui oito critérios essenciais: qualidade de vida no campo e no trabalho, gestão consciente da água, gerenciamento de resíduos, melhores práticas agrícolas, viabilidade econômica, qualidade do produto, relacionamento com o entorno e a governança.
Para garantir que toda essa produção sustentável chegue à cidade, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-MT) também é uma das instituições que possui projetos de apoio ao desenvolvimento do agro a favor do meio ambiente.
A coordenadora da gerência de Competitividade do Sebrae-MT, Valeria Pires, explicou ao g1 que a instituição trabalha com o agro olhando para o desenvolvimento da cadeia produtiva, para que atenda aos critérios ambientais legais, com todas as regularidades sociais e tributárias para que o produto chegue à mesa do consumidor de forma segura.
Segundo a Valeria, por meio de consultorias, capacitações e eventos, os produtores e as agroindústrias que atuam na cadeia de valor do agro se tornam mais competitivos e sustentáveis.
"Precisamos olhar para a gestão da propriedade rural para ser tratada como um negócio, como um empreendimento. Precisamos estar próximos do produtor, levando soluções aplicáveis e oportunidades junto ao mercado para que eles acessem as melhores oportunidades a nível regional, nacional e até internacional", ressaltou.
Com o objetivo de captar e expandir o agronegócio através de intensificação de pastagens e otimização do uso do solo, até 2030, o governo de Mato Grosso firmou um compromisso com o lançamento da estratégia Produzir, Conservar e Incluir (PCI), durante Convenção do Clima (COP 21) realizada em Paris, em dezembro de 2015.
Entre os objeivos na área da agricultura (soja, milho e algodão) estão a ampliação da área de grãos em áreas de pastagem degradada de 9,5 para 12,5 milhões de hectares até 2030 e aumento da produção para 92 milhões de toneladas até 2030. Se alcançada, a meta pode representar um aumento de R$ 5 bilhões no Produto Interno Bruno (PIB) do agro.
A força do agro
Mato Grosso é líder na produção de soja, milho, algodão e rebanho bovino do país — Foto: Gabriel Rezende/Embrapa
Mato Grosso representa uma potência agrícola mundial. O estado é líder na produção de soja, milho, algodão e rebanho bovino do país. Em pouco mais de duas décadas, o PIB estadual passou de R$ 14,8 milhões (2000) para R$ 233,390 milhões (2021), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um crescimento motivado, principalmente, pela agricultura, a principal atividade econômica do estado, que é responsável por mais de 50% do PIB mato-grossense.
Na safra 22/23, a produção brasileira chegou a 322,8 milhões de toneladas, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Foram 50,1 milhões de toneladas a mais que o ciclo anterior (+18,4%). O resultado foi puxado, em grande parte, pelo bom desempenho da soja e do milho.
Somente Mato Grosso foi responsável por mais de 100 milhões de toneladas de produção, sendo 45,6 milhões de tonenadas de soja, 51,24 mi/ton de milho e 2,248 mi/ton de algodão. A área de produção foi 21,21 milhões de hectares (+10,3%).
Já para a safra 23/24, a área de cultivo se mantém estável, mas, impactada pela estiagem e altas temperaturas, a previsão é que haja queda na produção de soja e milho, segundo levantamento feito pela Conab.
O volume colhido da soja passa de 38 milhões de tonadas, uma queda de 15,5% se comparado à safra anterior. Já o milho estima-se 42,44 milhões de toneladas (-17,2%). Já o algodão deve ter aumento de 17,3%, com uma produção estimada em 2,638 milhões de toneladas.
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